Hoje (06/12/2014), se aproximando
o solstício de verão de 2014, e completando nove anos residindo da cidade do
Rio de Janeiro; resolvi escrever um pouco de minha jornada na estrada do
paganismo. Como já sou relevantemente público no meio, principalmente dentro
dos oraculistas, achei por bem contar como tudo começou, e um pouco de minha
história na senda pagã.
Sou brasileiro, nasci no
interior da Bahia, mas venho de uma família descendente de portugueses, e
árabes – do Egito. Fui registrado com nome civil de Robson Miranda Santos –
nome que nunca me agradou; registrado por meu pai, meio que “às pressas”, pois
não sabiam se eu iria resistir ao parto. Nasci exatamente no solstício de
inverno de 1972, aos sete meses de gestação; minha mãe teria se assustado com
um Mico (animal), que pulou sobre a barriga dela, e começou a entrar em
trabalho de parto; nasci exatamente a 00:10h em total blackout na cidade, meu
parto foi todo a luz de velas, chovia torrencialmente, e fiquei em uma incubadora
por dois meses. Minha mãe diz que gostaria que meu nome de registro civil fosse
“Fernando”. Minha família paterna é de etnia cigana sarracena, e minha família
materna, por parte de avô, são de músicos instrumentista do norte de Portugal.
Minha infância foi marcada
por uma doutrina forçosamente cristã protestante, mesmo brincando e envolvido
em meios de acampamentos dos ciganos que ainda nômades mantinham contato com
meu pai. Quando nasci minha família materna já vinha seguindo a religião denominada
“Testemunhas de Jeová”, mesmo assim, minha avó ainda mantinha hábitos ligados a
tradições pagãs como por exemplo sua culinária e medicamentos à base de ervas
cultivadas em seu quintal, assim como plantar uma árvore para cada neto que
nascesse, e cuidar desta árvore como se fosse um filho; mais tarde fiquei
sabendo que este costume era indígena e que minha avó materna teria sido
adotada e se casado com meu avô, de família portuguesa. Por conta dos dogmas
impostos pela religiosidade protestante ninguém falava sobre o assunto. Com o
passar do tempo alguns parentes paternos passaram a seguir a mesma doutrina. Eu
nunca me adaptei com os dogmas cristãos impostos por esta religiosidade, e
escondido de todos procurava escutar e observar tudo que se relacionava a
outras doutrinas de cunho mágico e pagão. Por problemas em relação ao
comportamento agressivo de meu pai saí de casa muito cedo e fui morar com uma
tia materna, mais condescendente, o que me deu certa liberdade de, mesmo no ‘segredo’,
conhecer e estudar os mecanismos de práticas entre outras vertentes mágicas espirituais.
A religiosidade de raiz
africana é muito comum na Bahia, e foi minha porta para o início de uma senda
em um mundo completamente novo, onde a magia e encanto dos deuses me fascinavam.
Os mitos, ritos e história me fizeram mergulhar neste mundo fantástico das
tribos nativas africanas. Passei anos comungando com toda uma ritualística pagã
dentro dos conceitos da casa que fui iniciado, aos meus 20 anos, o Ilè Asè Obá
Nijó Omi, na cidade de Cruz das Almas-Ba, sob o sacerdócio do babalorixá Arlindo
de Airá.
Ilè Asé Obá Nijó Omi (Cruz das Almas-Ba)
Neste momento eu já morava sozinho, vagando de cidade a outra, e
experimentando diversas culturas. Parte do meu sangue nômade não me deixava
quieto, sempre estava em movimento, nada me prendia. Após a virada do milênio
me lancei em uma jornada mais distante, fui morar na Sicília-Itália, e lá tive
contato com um outro mundo pagão que não conhecia – a bruxaria. Viajei pelo
Mediterrâneo, fui ao norte da África, em Alexandria, e pisei nas terras de meus
ancestrais paternos. Quanta emoção! Apesar de não ter contato com nenhum deles,
pude sentir na alma a essência, foi uma experiência incrível.
Sicília- Itália
Quando estourou a II guerra
do Golfo em 2003, senti um clima muito ruim no sul da Itália, e por minha etnia
e aparência, fiquei apreensivo. Então resolvi voltar ao Brasil. As bases
militares americanas na Catânia estavam a todo vapor e a policia Italiana
estava meio agressiva com imigrantes. Fui para Milão, depois para Roma e por
fim, voltei ao Brasil.
Já no Brasil, em Salvador, reencontrei um amigo que praticava a wicca, e acabei indo morar com ele;
naquela época a wicca estava começando a tomar um impulso com muitos covens e
associações espalhados pelo Brasil – era a sensação do momento, se tratando de
paganismo. Interessei-me por estudar e praticar. Esse meu amigo, André Luis, já
era iniciado em uma casa nas proximidades de Salvador, pela Sra. Telucama, e junto com outra amiga
nossa Tatiane, criamos um coven com o nome de “Coven dos cinco elementos”.
Slava Cigana- Salvador-Ba
Cinco Elementos - Salvador-Ba
Participamos de diversas listas de contatos na internet, que na época era bem
precária por condições sociais e financeiras, nem todos tinham acesso a
computador, tivemos como base muitos livros e experimentos próprios, e também a
ajuda de outros praticantes mais abastados que podiam viajar e interagir com
wiccanos em São Paulo e Rio de Janeiro. Foram épocas ‘gostosas’, vivenciando a
religião de maneira muito simples, caseira, humilde e sem guerras e Egos e
disputas de poder. Infelizmente, o coven não foi para frente, alguns membros se
desinteressavam, outros adolescentes se desviavam do propósito para seguir
carreiras profissionais. Mas, Eu, André e Tatiane, continuávamos ritualizando e
celebrando os esbats e sabbats.
Quando começamos a ter uma
condição melhor e acesso a internet, entramos em um mundo sombrio: brigas e
disputas de poder circulavam pelos grupos da internet, e começamos a observar outro
lado, o lado negro de insultos e baixarias dentro das comunidades. Isso foi
criando um desgosto tão grande que resolvemos nos afastar, mesmo assim ainda
participávamos das listas para obter estudos e informações, mas ritualizávamos
de maneira muito pessoal, dentro de nossas casas. Aprofundei-me no uso e
prática das runas, associado ao conhecimento que já tinha com alguns pagãos da Itália.
Cheguei a participar de ritos de iniciação com eles, infelizmente ou felizmente
eram grupos pequenos e familiares, e não permitiam uso de máquinas fotográficas,
e se tratando de bruxaria, tudo era mais que secreto na Sicília. Mais foram
dias lindos e saudosos.
Bem, eu participava das
listas com informações sobre runas, bruxaria germânica, e tinha um culto
pessoal aos deuses Vanir. Quando eu vim para o Rio de Janeiro em dezembro de
2005, algumas pessoas já me conheciam das listas de internet, e como as runas
eram pouco difundidas aqui, passei a usá-las e trabalhar ritualisticamente com
elas. Na época de prática wiccana eu era conhecido por “Lukyam Audolf”,
Palestrei em alguns ESP (Encontro Social Pagão) no Rio e ES; participei de uma edição do EAB (Encontro Anual de Bruxos), promovido pela Abrawicca.
EAB-SP
ESP- ES
Participava dos ritos
pessoais de algumas pessoas, conheci gente maravilhosa, outras nem tanto; fiz
amigos que se encontram até hoje em meus círculos, outros tratei de banir, [Não
citarei nomes por questão de ética].
Aqui no Rio de Janeiro,
trabalhei e ainda trabalho como oraculista, utilizando meus conhecimentos
históricos, didáticos e experimentais sobre Runas, Tarô, Cartomancia e Búzios.
Deixei de frequentar os meios públicos pagãos pelos mesmos motivos dos que me
fez afastar das listas de internet – as birras, disputas de poder e Egos exacerbados.
Adotei a prática de culto pessoal aos deuses egípcios e assumi a identidade de “Luqiam
Osahar”.
Fórum Nacional de Tarô- RJ
Percebi aqui no Rio de
Janeiro um gosto muito peculiar à cultura cigana, mas de maneira muito folclórica,
adotada principalmente no meio umbandista. Minha etnia cigana por parte paterna
nunca foi exposta, até por conta de preconceitos em relação a minha
homossexualidade – não bem aceita entre os sarracenos (zott); já sofridos no
meu passado. Quando meu pai faleceu, eu já estava aqui no Rio de Janeiro, e
observando a desinformação sobre a cultura cigana – como etnia, fiquei
preocupado. Então resolvi assumir de vez minha ancestralidade, mas longe do meio
umbandista, no qual sou extremamente leigo. Minha intenção seria e está sendo,
resgatar algumas práticas de meu povo “do deserto”, que são de certas formas
ligadas ao místico e pagão, mas com um cunho muito mais astrológico.
Recentemente, em conversa
com minha mãe, ela me confessou o desejo de que eu deveria ter sido nomeado de
Fernando, em vez de Robson. E num momento propício em relação a certos ritos de
passagem por conta do falecimento de meu pai, resolvi mudar minha identidade “mística”
para Fernando Omar Said, unindo assim à vontade de minha mãe a ancestralidade
de minha família paterna.
Meus conhecimentos e
experiências adquiridos durante longo tempo não mudaram e nem serão esquecidos,
é claro! Mas, como nós, zott, somos propensos a utilizar além do nome civil, um
nome “místico”, a partir de agora – solstício de verão 2014; passarei a ser
conhecido como tal citado acima. Uma identidade que me desvincula totalmente de
um passado pagão que não me faz mais sentido e passa a ter um novo propósito: o
retorno as minhas raízes.
Durante meus 25 anos, até
então, de jornada mística e espiritual, muitos conceitos e padrões caíram por
terra. Deixei de acreditar em muita coisa, passei a acreditar em outras,
experimentei novas sensações, obtiver novas respostas, caí e levantei, chorei e
ri, amei e odiei, e tudo isso só me fez chegar a uma conclusão: ouça seus
instintos, siga sua intuição! Hoje, para mim, não existem mais verdades
absolutas, a única verdade para mim é aquela que funciona comigo, e que pode,
naturalmente, não funcionar para o outro. E com isso me veio talvez o maior
aprendizado de todos em minha jornada: Respeitar a Fé do outro, seja lá no que
for.
Confesso que tenho saudades
de momentos ritualísticos coletivos, mas considero que hoje em dia isso é muito
complicado. Caso o venha a fazer novamente, espero que seja de maneira bem
desprovida de dogmas e conceitos religiosos, apenas seguindo o ciclo da
Natureza terrena e celeste, dançando com a vida, os Astros e seus Mistérios. Sou um eterno
aprendiz, mas uma coisa que a natureza “psicoespiritual” me mostrou de maneira
bem clara nesta minha jornada, foi valorizar e exercitar o dom da LIBERDADE.
...to be continued...
Fernando Omar Said, Rio de
janeiro 07 de dezembro, 2014 (00:27h)